CyberBRICS

Brasil precisa liderar o debate global sobre soberania de IA

O Professor da FGV Direito Rio e coordenador do CTS-FGV Luca Belli, conjuntamente com Alexandre Costa Barbosa, escreveram o artigo para a revista O Globo.

Entramos na era da soberania de IA. Como no âmbito da soberania digital, precisamos defender uma concepção desse conceito pautada no direito fundamental à autodeterminação e na capacidade de um país para compreender, desenvolver e regular os sistemas de IA, diante de visões autoritárias ou meramente protecionistas da soberania. O momento é oportuno e necessário. No dia 7 de março, o presidente Lula defendeu o que seria uma inteligência artificial diversa, a partir do Brasil e do Sul Global para o mundo. Clamou por uma proposta brasileira a ser defendida na ONU. A pesquisa desenvolvida pelo projeto CyberBRICS, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, ajuda a entender os facilitadores essenciais da soberania em IA. São estes: dados, algoritmos, capacidade computacional, conectividade significativa, energia elétrica, recursos humanos capacitados, cibersegurança e um marco legislativo capaz de regular os riscos da IA de maneira efetiva.

Todos esses facilitadores estão interligados, e é necessário criar mecanismos de governança, regulação, pesquisa e desenvolvimento para cada um. Infelizmente, o Brasil tem uma estratégia de IA obsoleta, incompleta e muito pouco estratégica. Porém tem uma oportunidade de redefinir sua estratégia se considerar tais facilitadores.

É limitante tratar de IA desconsiderando a capacidade computacional. IA é simplesmente impossível sem semicondutores, unidades de processamento e, criticamente, servidores de computação em nuvem. Este último mercado cresceu 20% em 2024 e está concentrado nas mãos de pouquíssimas empresas: Amazon, Microsoft e Google.

Não é coincidência que elas acabem adquirindo ou sendo parceiros inevitáveis de toda nova startup de IA. Sem elas, não há escalabilidade. Porém, sendo dependentes delas, muito dificilmente haverá soberania em IA. É por isso que o Serpro criou sua própria plataforma de computação em nuvem para o governo, para “garantir soberania e privacidade dos dados”.

Só que a “nuvem” não é etérea. As infraestruturas de computação em nuvem dependem de enormes quantidades de energia e água para resfriamento. Não é coincidência que a OpenAI e a Amazon estejam investindo em energia nuclear. O Brasil é líder global em energias renováveis e, na agenda ambiental, logo pode liderar uma visão de IA soberana e sustentável. Não nos esqueçamos de que o Brasil preside o G20 atualmente e sediará a COP30.

No âmbito dos dados, o país é referência internacional com sua capacidade censitária, bases de dados capilarizadas e diversas. Há cinco anos o país tem a Lei Geral de Proteção de Dados, porém sua aplicação é ainda muito embrionária. Com relação aos algoritmos, o Brasil deveria não somente considerar a regulação de risco, mas apostar nos talentos nacionais — que existem e deveriam ser fortalecidos — e promover o desenvolvimento de modelos abertos de IA, replicando o pioneirismo do governo Lula 1 com a política de software livre. Precisamos pactuar a evolução do ecossistema brasileiro de IA com base na cibersegurança, na conectividade significativa, na educação e na justiça socioambiental. Essa é a essência da autodeterminação. É um direito fundamental de cada povo e de cada indivíduo.

Nem todos os países poderão ser capazes de elaborar e implementar as demandas necessárias para uma soberania de IA, sobretudo no Sul Global. Nesse contexto, a cooperação internacional é essencial. Ser soberano não significa ser isolado.

Não faz sentido gastar tempo debatendo regulação de IA se o país nunca conseguir desenvolver IA ou se virar uma colônia digital, refém das decisões alheias. Não se trata de competir com as potências de IA, mas de entender o funcionamento da IA e escolher que futuro queremos.

Temos pouco tempo, mas ainda podemos ter nossa soberania em IA.

Artigo originalmente publicado em https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/04/brasil-precisa-liderar-o-debate-global-sobre-soberania-de-ia.ghtml.