Não precisa haver pressa para definir logo o edital do leilão do 5G, avalia o doutor em Direito Público Luca Belli, professor de Governança e Regulação da Internet da FGV Direito Rio. Na opinião dele, não é negativo o adiamento aprovado em reunião tensa do Conselho Diretor da Anatel na quinta-feira passada, 12. Isso porque, acrescenta, o país não pode decidir sem planejamento por envolver gastos bilionários, sem certeza de retorno nem previsão sobre perdas de empregos e aumento da desigualdade no acesso à internet.
“Para fazer as coisas bem, a gente não precisa ter pressa”, afirmou o especialista. “Acho melhor esperar mais uns meses para avaliar bem em vez de fazer as coisas de maneira muito corrida e depois ficar em uma situação pouco desejável” reforçou. E justifica que a corrida do 5G ainda não começou no mundo. “Apenas três países têm 5G: China, Coreia e EUA (em algumas cidades)”, comentou, concordando com a aprovação de novo pedido de vista da matéria apresentado pelo conselheiro Moisés Moreira após desentendimentos que marcaram a reunião na Anatel.
Tele.Síntese: Como o senhor avaliou a nova proposta apresentada pelo conselheiro Emmanoel Campelo para o leilão do 5G?
Luca Belli: A proposta anterior, do conselheiro Vicente Aquino, é mais competitiva, reservando blocos de 50 MHz para pequenas operadoras que, de toda maneira, não poderiam competir, por capacidade econômica. Essa proposta teria mais competidores e poderia estimular mais a inovação, porque as empresas de pequeno porte precisam de ter a chance técnica mais interessante para otimizar os recursos. Essa proposta é interessante, não somente porque permite às pequenas operadoras que têm um espaço protegido e no qual poderiam atuar, mas também porque estimularia uma gestão dinâmica e inovadora do espectro, que tem faixas subutilizadas. Se houver a gestão dinâmica, o recurso será muito menos escasso.
Tele.Síntese: Como o senhor avalia a declaração do presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, de que a proposta de Aquino poderia gerar a prestação ineficiente dos serviços por pequenas operadoras, resultando no que chamou de “5G Fake News”?
Luca Belli: Dizer que as pequenas operadoras podem não prestar um bom serviço pode fazer sentido. Para o 5G, são investimentos enormes. Não basta participar dos leilões. É necessária a densificação da rede. 5G não é uma simples atualização de software. Mas isso também atinge as grandes operadoras. Na China, a China Unicon, a China Mobile e a China Telecom, que são empresas bilionárias com capacidade econômica muito superior a qualquer operadora no Brasil, fizeram um consórcio único para minimizar os custos do 5G. Poderia se seguir nessa direção no Brasil, para se construir uma rede única que pode ser utilizada por todas as operadoras, inclusive as pequenas.
Tele.Síntese: A ausência da solução para a interferência do 5G nas antenas parabólicas pode comprometer o leilão?
Luca Belli: Claramente, é mais um elemento de incerteza que pode perturbar o leilão. Começar o leilão sem achar uma solução não é uma estratégia muito sustentável. A estratégia que já foi adotada na Europa antes do 4G, no início da década de 2000, foi a migração de todas as frequências radiotelevisivas digitais, sem precisar de utilizar espectro. As frequências foram liberadas para a transmissão de dados. Tudo é transmitido via cabo.
Tele.Síntese: O Brasil está perdendo tempo ao adiar mais uma vez o leilão, ficando atrás de outros países? Se deixar a decisão para janeiro, o país corre o risco de perder a corrida do 5G?
Luca Belli: Na verdade, acho que não são alguns meses que vão fazer a diferença. O Brasil é um país que tem um mercado bastante interessante para novas tecnologias. Não acho que esse prazo vai significar perder a corrida do 5G, até porque, com o todo o respeito para os analistas das demais empresas e da agência reguladora, existem somente três países no mundo em que o 5G é uma realidade: China, Coreia do Sul e Estados Unidos. Então, a corrida do 5G ainda precisa começar, justamente porque todas as operadoras sabem perfeitamente que a nova tecnologia é extremamente onerosa, os investimentos são extremamente elevados. A maioria das operadoras ainda está recuperando agora os investimentos da 4G. Nesse momento, não tem corrida para a 5G. Até porque, para os consumidores, o essencial é ter aparelhos que sejam compatíveis com o 5G.
Tele.Síntese: E o que o senhor acha das divulgações feitas pelo governo de que tantos bilhões de reais seriam alcançados, com o 5G, pelo aumento da produtividade, da indústria 4.0, maior velocidade no agronegócio, enfim?
Luca Belli: Claramente, tem uma correlação direta entre aumento da penetração da conectividade e o aumento do PIB. O governo, de um lado, falar que essas evoluções tecnológicas podem levar a enorme aumento de produtividade, é verdade, mas sem falar que isso significa também perdas de empregos. Quem vai falar para aqueles 70% de trabalhadores que vão ser redundantes, uma vez que a fábrica vai ser automatizada? E que eles vão ficar sem emprego? A gente precisa de uma estratégia para avaliar todas as variáveis e ter uma visão política sobre como enfrentar esses desafios de maneira mais sustentável.
Tele.Síntese: O senhor avaliaria que está havendo açodamento no processo do 5G no Brasil?
Luca Belli: Não me parece negativo os vários pedidos de vista [na Anatel]. É mais inteligente avaliar bem os vários fatores para tomar a melhor decisão. Não é interessante lançar o leilão rapidamente e depois descobrir que alguns elementos essenciais, como interferência, não foram contemplados. Para fazer as coisas bem, a gente não precisa ter pressa.
Tele.Síntese: E os números fabulosos que são divulgados de tantos acessos já em funcionamento por meio do 5G, como nos Estados Unidos?
Luca Belli: Nos Estados Unidos, tem poucas cidades com o 5G. Somente áreas muito centrais de grandes metrópoles contam com a tecnologia. Outro assunto que deveria ser considerado também, é onde vão ser construídas as novas linhas para o 5G. As operadoras, que tradicionalmente nunca fizeram investimentos em áreas rurais, vão fazer investimentos no Nordeste ou vão fazer em São Paulo, Rio e Brasília? O 5G corre o risco de se tornar não uma estratégia para tornar o país mais competitivo, mas uma estratégia para tornar as diferenças digitais mais discrepantes, mais evidentes.
Tele.Síntese: Em sua proposta, o conselheiro Campelo coloca prazo das autorizações do leilão do 5G em 20 anos com “prorrogações múltiplas”, tomando por base o novo marco legal, com a lei aprovada este ano. Esse prazo é comum em outros países?
Luca Belli: 20 anos com múltiplas prorrogações não é tão comum. Durante 20 anos, as pequenas e médias operadoras ficarão excluídas da possibilidade de utilização dessa faixas do espectro, enquanto as operadoras dominantes poderão pagar para consolidar a sua dominância por 20 anos com múltiplas prorrogações. É uma política estranha.
Originalmente publicado pelo portal TeleSíntese, em 15/12/2019